quinta-feira, 14 de abril de 2011

Garimpo no detrito


No lixão, ascensão social não é objetivo, viver basta

               Aparentemente aquela seria mais uma manhã comum de outubro. O diferencial fica por conta da distancia em que se está do centro urbano, cerca de 20 quilômetros de estrada sem pavimentação, ás 9 horas da manhã iniciam-se os trabalhos. Caminhões chegam carregados de pessoas. Uma nuvem de poeira os segue impiedosamente desde o inicio do caminho. A poeira se mistura a uma fumaça produzida por fornos de incineração. Uma mistura nociva que prejudica quem está ali para conquistar seu “ ganha pão” . o cenário que se vê é carente de beleza e muito menos de conforto. Logo na entrada  o panorama altera.  “ barraquinhos “ feitos à base de pedaços de madeira e plástico deixam claro que a vida de quem recicla lixo não é tão simples quanto a de quem o produz. O céu escurece por um segundo. Milhares de urubus sobrevoam a procura de alimento. Banquete é farto. Em pouco tempo surgem dezenas de cachorrinhos acirrando ainda mais a disputa por alimento. Esta é a gênese da realidade diária do lixão Municipal de Imperatriz, a maior concentração de lixo do Sul do estado.
                Nesse universo desconhecido em meio ao amontoado de lixo ouve-se uma melodia popular conhecida: “Tá vendo aquele edifício moço? Eu trabalhei lá”. Disse um rapaz, com cerca de 30 anos de idade, estatura mediana, cor morena forjada pela intensa exposição ao sol. Calçanda botas largas, de calças jeans e com uma camisa maltratada pelo tempo, de estampa com escudo do “ Cavalo de Aço”, clube mais popular da cidade . na cintura, uma faca amolada. Nas mãos, um gancho que serve como separados de objetos. Ali a rotina é catar matérias recicláveis como garrafas pet, latinhas de alumínio e ferro. O intuito é revender e garantir seu sustento.
                Não muito distante, avista-se um senhor que aparenta ter 55 a 60 anos de idade. Suas luvas   rasgadas, supostamente uma proteção, mostram-se desgastadas pela freqüência do uso. As vestes se resumiam a um par de sandálias havaianas e bermuda  jeans. Sim, o homem trabalhava sem camisa, e sem receio algum, mergulhava com veemência entre os entulhos. Por todos os lados é possível ver crianças e adultos das mais distintas idades, vindos de periferias da cidade, trazidos por caminhões que chegam todas as manhãs de segunda a sábado. Folga somente aos domingos.
                O odor é uma incógnita e sofre alterações de acordo com setor. Oscila entre o cheiro de matérias orgânicos, em locais onde se encontram animais mortos e restos de comida; e os de procedência química como lixo hospitalar: agulhas, soros, líquidos de origem desconhecida.
                Os matérias mais disputados entre os catadores são garrafas plásticas e alumínios, como latinhas de cerveja e refrigerante. Insistentemente, passam horas a fio no trabalho. A área é grande. “ ué! Não tem escola para esses meninos não”? Questiona um homem ao dividir espaço com garotos menos de idade. Uma disputa desleal: crianças e adultos concorrem ferozmente cada metro de detrito. Abutres e outras aves observam tudo de perto. Aliás, a familiaridade entre e homens e animais é fantástica. Tudo ocorre com naturalidade.
                “ Transformar o exótico em familiar”. Esse preceito básico da antropologia instiga reflexões acerca desta vivência. O lixão Municipal é um ponto de Imperatriz excluído , escondido e marginalizado por políticas publicas. E isso acaba refletindo no pensamento coletivo de um povo. Lamentável, porém real. O ideal seria que a realidade do lixão fosse maciçamente conhecida. Do jeito que está, pode-se até traçar uma comparação entre essa realidade em Imperatriz e as maiores paisagens de descaso na África. Deus queira que Dráuzio Varela nem sonhe com Isso.